Nancy Aragão, autora de livros didáticos, tanto na área jurídica como na da Língua Portuguesa, estreia na ficção, revelando, desde logo, como os leitores poderão observar, um domínio de veterana na difícil técnica do romance de suspense e mistério, pois tanto a forma quanto o conteúdo de FRONTEIRAS DO IGNOTO evidenciam a presença de autêntica romancista, uma narradora invisível e neutra que não intervém no enredo, que se desenrola conforme a visão, sentimento e interpretação dos personagens, quer pelo aspecto objetivo quer pelo subjetivo.
Desenvolve-se o romance em três planos simultâneos: o do realismo, o da psicologia e o do fantástico. No plano do realismo, pinta-se o dia a dia da sociedade burguesa brasileira contemporânea, representada pelas famílias unidas pelo casamento de Elisa e Reinaldo. No plano da psicologia, descreve-se toda a complexidade das motivações e das reações dos personagens. No plano do fantástico, estão os acontecimentos e fenômenos ocorridos na misteriosa Casa dos Tritões, mais personagem do que cenário da história de Elisa, tal a sua influência e atuação. Neste plano, pela habilidade de isenção da autora que faz seus personagens urdirem toda a trama com suas experiências, dúvidas e certezas, surge um verdadeiro enigma, a exemplo do de Capitu que, até hoje, eletriza os leitores de Machado de Assis. Qual a causa dos acontecimentos? A fatalidade ou forças sobrenaturais? Onde se acha a explicação para os fenômenos? Na Psiquiatria? Na Parapsicologia? Na Teologia? Na Doutrina Espírita? Ou no Ocultismo? A resposta é deixada ao leitor, conforme o ângulo em que o posicionem sua razão, sua filosofia, seu cepticismo ou suas crenças religiosas, ao analisar os dados objetivos fornecidos pelos personagens.
Digno de nota o fato de existir um romance dentro do romance, ambos com pontos de semelhança entre seus principais personagens, seus impulsos, seus desígnios, seus atos, amores e tragédias; cabendo também ao leitor relacioná-los ou não, sob os mesmos aspectos dos acontecimentos e fenômenos ocorridos na Casa dos Tritões. Assim, a par da história que se passa nessa casa, situada em rochosa encosta da Rodovia Rio-Santos, no Rio de Janeiro e em pleno Século XX — a história de Elisa; está a de Constança, vazada em linguagem arcaica, que tem como cenário uma casa também misteriosa nas costas escarpadas de Taormina, na longínqua Sicília, quando ainda província de Espanha, e o mundo mágico do ocultismo e da bruxaria na época da Inquisição.
FRONTEIRAS DO IGNOTO é desses livros que prendem a atenção de todos aqueles que o leiam, pois oferece, a um só tempo, entretenimento e emoção, intriga e mistério, amor e reflexão. Em suma: um romance verdadeiramente romance, como aqueles que, ao longo dos tempos se lerão com prazer e com proveito, bem diferentes dos que, hoje em dia, mais relembram equações matemáticas ou fórmulas químicas do que qualquer outra coisa. FRONTEIRAS DO IGNOTO devolve ao romance aquilo que ele tem de mais fascinante: a narrativa.